quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Um encontro com Rubem...







Sobre a morte e o morrer
Rubem Alves

O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de
um ser humano? O que e quem a define?


Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é tão boa! Não quero ir embora...

Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?". Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..." Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.

Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...”

Da. Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante. "Minha filha, sei que minha hora está chegando... Mas, que pena! A vida é tão boa...”

Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.

Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: "O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?". O médico olhou-o com olhar severo e disse: "O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?".

Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que freqüentemente se dá o nome de ética.

Um outro velhinho querido, 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final.

Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a "reverência pela vida" é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?

Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.

Muitos dos chamados "recursos heróicos" para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da "reverência pela vida". Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: "Liberta-me".

Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei...". Implorava que lhe dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo. A morte o libertou do sofrimento.

Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.

Texto publicado no jornal “Folha de São Paulo”, Caderno “Sinapse” do dia 12-10-03. fls 3.

terça-feira, 24 de maio de 2011

"Sou estrangeira neste mundo..."


“A Poetisa”

Sou estrangeira neste mundo.
Sou estrangeira, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso. Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.
Sou estrangeira para minha alma.
Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz. Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outro Eu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma. Mas permaneço desconhecida e oculta, velada pelo nevoeiro, envolta no silêncio.
Sou estrangeira para o meu corpo.
Todas as vezes que me olho num espelho, vejo no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.
Sou estrangeira e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minha terra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim.
Acordo pela manhã, e acho-me prisioneiro num antro escuro, freqüentado por cobras e insetos. Se sair à luz, a sombra de meu corpo me segue, e as sombras de minha alma me precedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo. E quando chega a noite, volto para a casa e deito-me numa cama feita de plumas de avestruz e de espinhos dos campos.
Idéias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos. E almas de nações esquecidas me fitam. Interrogo-as, recebendo por toda resposta um sorriso. Quando procuro segura-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.
Sou estrangeira e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma de minha alma...
Caminho na selva inabitada e vejo os rios correrem e subirem do fundo dos vales ao cume das montanhas. E vejo as árvores desnudas se cobrirem de folhas num só minuto. Depois, suas ramas caem no chão e se transformam em cobras pintalgadas.
E as aves do céu voam, pousam, cantam, gorjeiam e depois param, abrem as asas e viram anjos, de cabelos soltos e pescoços esticados. E olham para mim com paixão e sorriem com sensualidade. E estendem suas mãos brancas e perfumadas. Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irônicos.
Sou estrangeira neste mundo.
Sou poeta que põe em prosa o que a vida põe em versos, e em versos o que a vida põe em prosa. Por isto, permanecerei estrangeira até que a morte me rapte e me leve para minha pátria.

(Extraído de “Temporais”)
Gibran Khalil Gibran

Obs: adaptado para apresentação em 1º de abril – ICCBA - VERDADE



segunda-feira, 23 de maio de 2011

Razão X Emoção. E o Equilibrio???... (por Selma Mixttura)

Para Santo Agostinho, só Deus possui toda plenitude do ser, por sua unidade e simplicidade. Agostinho não traz em seu pensamento uma separação entre os assuntos metafísicos e os éticos, epistemológicos e naturais. E sendo o homem uma criatura decaída e escrava do pecado, não tem forças para agir, pensar e escolher o bem, mesmo possuindo o livre arbítrio. Assim, nós necessitamos tanto da iluminação intelectual quanto da moral. E esta iluminação nós é ofertada por Deus, o ser supremo, que o faz por amor, e é por amor que a Ele retornamos. “A plenitude do ser humano implica a composição de alma e corpo, com todas as potências e instrumentos do conhecimento e do movimento; a quem faltar um desses elementos, faltará algo da plenitude do seu ser”. Essa plenitude que adquirimos através de Deus é a mesma que se dá às coisas e às ações. “Portanto uma ação é boa, na medida em que é, pois, o bem e o ser se equivalem”. Se uma ação for extremada, ou inadequada, inconveniente, causar a dor e a infelicidade de si mesmo ou de outrem, esta seria uma ação antinatural e, portanto não uma ação de amor. E se uma ação não é amor, não é boa, logo, não é plena de seu ser. A vida moral gira em torno do amor, uma vez que Deus mesmo é o amor (João, 4, 16).
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Aristóteles: Revolucionário antes, Reacionário hoje?... (por Selma Mixttura)

Obviamente não poderíamos julgar Aristóteles, por este considerar “natural” a existência de escravos, afinal tratava-se de um hábito comum na sociedade grega. Por outro lado, sendo ele um filósofo, um homem de idéias, a escravidão não poderia passar despercebida aos seus olhos. O que Aristóteles traz de inovação e que o leva a ser visto como revolucionário é o fato de o estagirista avaliar o escravo a partir de sua essência e assim atribuir ao escravo a condição de ser humano e não de coisa, objeto. Sendo o escravo “um ser com raciocínio e capaz de acompanhar um argumento certas condições são necessárias para se aceitar a escravidão”. O filósofo apóia sua defesa no argumento de que a antítese superior-inferior é encontrada em todos os lugares na natureza, como entre a alma e o corpo, o intelecto e o apetite, entre o homem e o animal, o homem e a mulher, e se tal diferença existe, é para vantagem de ambos que um deve mandar no outro. Logo, alguns homens são livres por natureza e outros, escravos.” (...) “se há inferioridade, então a escravidão é de interesse de ambos, senhor e escravo. Portanto não se justifica escravizar pessoas bem nascidas (...) A escravidão por mero direito de conquista em guerra não deve ser aprovada. Claro que estas considerações devem ter provocado muita polêmica naquela época. Então, podemos dizer de Aristóteles um revolucionário para sua época. Porém, o fato de defender a idéia de superioridade e inferioridade entre seres humanos, fosse aos dias de hoje, seus argumentos seriam duramente rebatidos e certamente derrubados, pelos direitos humanos, estatuto do menor e do adolescente, direitos da mulher, direitos do idosos, defesa da natureza e assim por diante. Até porque, hoje em dia a escravidão e a exploração, a despeito do que acontece clandestinamente no mundo todo, é algo abominável, desumano e criminoso.

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Mulher: Grécia Antiga X Hoje (por Selma Mixttura)



Sem dúvida, para uma época onde a mulher não era considerada sequer cidadã, a idéia de Platão, em colocar a mulher em pé de igualdade com o homem, era realmente revolucionária. Mas há um elemento importante neste caso. A questão de Platão parece estar voltada aos direitos dos “verdadeiros guardiães”, ou seja, os filósofos e consequentemente governantes. Pois estes “devem ter todas as coisas em comum, ou seja, habitação, mulheres, filhos, criação e educação da prole (República, IV, 441d-442d)”. Assim, pensemos na hipótese de um filósofo/governante ter entre sua prole alguém do sexo feminino. Então, sua filha teria os mesmos direitos que seus irmãos, parte daí o direito da mulher. Platão considera que: “Como têm a mesma natureza, mulheres e homens deverão ser educados da mesma maneira. Poderão assim, as mulheres tomarem parte na guarda do Estado e também na guerra, com o cuidado de ser entregue às mulheres tarefas menos pesadas que as dos homens, por terem, em geral, menor vigor físico que os homens” (República, V, 457a). 
Mas, esta idéia não se concretizou naquela época, e ainda hoje, quase dois mil e quinhentos anos depois, as mulheres não conquistaram seu espaço devidamente. O Processo é lento, sim, muito lento, mas estamos evoluindo.  Antigamente as coisas eram bem definidas: o homem era provedor e a mulher a “cuidadora”. Salvo as exceções de exploração e etc. Hoje em dia, enquanto em algumas culturas a mulher mede forças com o homem em uma “guerra dos sexos” sem fim, em outras, ela ainda submete-se aos desmandos de seus “senhores”, tendo por vezes que caminhar um passo atrás. O grande equívoco está em acharmos que, como disse Platão homens e mulheres “têm a mesma natureza”, somos assim todos iguais. Homens e mulheres NÃO SÃO IGUAIS, ponto. Somos diferentes geneticamente, sexualmente, fisicamente, diferentes em essência, em conteúdo, em ação e reação, em sentimentos, em emoção, em atitudes... Enfim, somos diferentes. Portanto o que a mulher necessita é encontrar o SEU ESPAÇO, e não disputar um espaço que é do homem. Hoje não sabemos quem devemos ser. Somos modernas, mas não deixamos de ser mães. Somos profissionais, mas não deixamos de ser do lar. Somos amantes, mas não deixamos de ser esposas. Somos independentes, mas não deixamos de recorrer ao apoio do homem.  E ainda existem aquelas, muitas, que apesar de estarmos em uma sociedade onde a mulher tem seus direitos, ainda vivem como nossos ancestrais. O resultado disso é um desequilíbrio astronômico. Muito estresse e frustração e infelicidade. O processo é lento e o caminho árduo, mas é preciso que a mulher volte-se para dentro de si e descubra qual é verdadeiramente o seu papel e o seu lugar.
Por Selma Mixttura.

Retórica, Paidéia e Educação (por Selma Mixttura)

É sabido que só através da educação uma pessoa pode tornar-se melhor do que é. Protágoras tinha essa visão. E a despeito do modelo de educação aristocrático – onde a Paidéia tinha o objetivo de ressaltar nos bem nascidos sua nobreza natural, pois que, ou se nascia nobre ou estaria fadado a um destino inferior, independente dos aprendizados adquiridos, pois a moral não podia ser ensinada – Protágoras diz sobre o jovem aprendiz que "tornados outros, se despojem do que eram antes (Teeteto, 168a)". Sendo, esta a forma de livra-se de certas disposições inferiores para dar lugar a novos aprendizados e assim chegar ao crescimento e conhecimento almejados. O jovem depois de passar pela educação na família, a educação pelas artes e poesia e a educação pela ginástica, chegava então a hora de adquirir o conhecimento político.  A retórica, a arte da oratória, faz-se de fundamental importância, não por ser conhecimento puro, mas, por trata-ser de uma FERRAMENTA, muito útil para a transmissão de ensinamentos, e também para a arte da política. Quanto ao modelo aristocrático, ainda hoje, infelizmente a educação parece ser vista como privilegio de poucos e bem nascidos, como se estes tivessem mais direitos que o restante da população. E infelizmente, a poesia, as artes e a filosofia foram menosprezadas durante muito tempo e os jovens, há muito não possuem o mesmo acesso natural, aos modelos que poderiam se espelhar, como faziam os jovens atenienses. É preciso que esta realidade mude. É preciso que a filosofia e a poesia voltem a trazer luz ao desenvolvimento humano.
 

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Tributo ao Artista - Nicionelly Carvalho (Nicinha)

 

Nicionelly Carvalho e Selma Mixtura em "Quarta-Feira sem falta lá em casa" (2006)
Último trabalho de Nicionelly Carvalho.

     Nicionelly Carvalho nasceu em Machado, sul de Minas em agosto de 1936, órfã de mãe recém-nascida, cresceu numa fazenda de uma tia, onde brincava com seus únicos amigos: os bois, vacas, patos, porcos, cachorros, enfim os animais da fazenda, com isso desenvolveu uma estética criativa, inventando e reinventando histórias com suas bonecas de sabugo e com seus amigos imaginários.
     Ainda adolescente, mudou-se para Poços de Caldas com seu pai, o alfaiate Benício (apelidado de Nicio, que inclusive unindo com o nome da mãe originou o nome Nicionelly). Nicio cria uma fábrica de bonecas de pano e posteriormente a loja Casa das Bonecas, Nicionelly pelo dom nato desenhava as bonecas e bichos de pelúcia, seus moldes, feições, criava nomes, enquanto Nicio ficava por conta da produção.
     De criação religiosa, desde cedo abraça o cristianismo sob a luz do espiritismo. Alma boa, caridosa, sonha em servir ao próximo e trabalha incessantemente.
     Conhece na década de 50, dentro da casa espírita, o mestre Benigno Gaiga, que lhe apresenta os encantos do Teatro. Foi paixão a primeira vista, Nicionelly começa a encenar nas comemorações festivas do centro espírita e posteriormente engaja-se na produção independente.
     Convidada por Benigno Gaiga, na década de 60, incorpora-se ao corpo de atores do então criado Grupo de Teatro Alvorada, onde passa a ser a principal atriz até a morte de Benigno Gaiga em 1970, quando assume a direção do grupo que homenageia seu mestre dando-lhe o nome de Teatro Alvorada Grupo Benigno Gaiga.
     Protagonizou e dirigiu várias peças dentre elas: A Bruxa; Dona Feia; Dona Xepa; Mortos Sem Sepultura; Quarta Feira Sem Falta lá em Casa; Quando As máquinas param; Pedreira das Almas; Nó de Quatro Pernas; O Santo Inquérito; O Avarento; O Auto da Compadecida; Velório a Brasileira; A Margem da Vida; O Bolo da Bolota (personagem que a acompanha por toda a vida); Dona Patinha vai ser Miss; A Revolta dos Brinquedos; O Leão Pede a Palavra; Três peraltas na Praça.
     No campo social Nicionelly cria, na década de 70 a Creche Caminho da Luz no bairro Cascatinha, instituição que também dirigiu até o inicio de 2000, lá desenvolveu um trabalho de assistência social com centenas de crianças na qual acolhia-as como filhos. Ainda na década de 70 adota seu único filho Giovanni Dias, na qual ensinou sua arte e princípios.
     Em 1994, junto com o filho, o ator Fabio de Freitas, a nora e o saudoso Fernandinho Frizzo, funda a Cia Bella de Artes e posteriormente o Instituto Cultural Cia Bella de Artes.
     Em 2005 recebe o titulo de Cidadã Poçoscaldense e também é agraciada com o nome do Teatro do Instituto Cultural Companhia Bella de artes, onde estreou sua ultima participação nos palcos com o espetáculo “Quarta–feira Sem Falta lá em Casa” sob a direção de Giovanni Dias.
     Em setembro de 2007 Nicionelly retorna ao Mundo Espiritual vitima de um infarto fulminante tendo seu corpo velado por centenas de amigos e conhecidos no saguão da Câmara Municipal de Poços de Caldas. A praça que se situa na Cascatinha próximo ao Ginásio Poliesportivo Moleque Cesar, recebeu o nome de Nicionelly Carvalho, um justo reconhecimento da comunidade a uma mulher que fez da arte a sua vida e de sua espiritualidade a ferramenta para ajudar o próximo.
Carlos Alberto Casalinho e Nicionelly Carvalho em Um Gosto de Mel (Anos 70)


As Primícias de 1983
Em pé: Paulo Pioli, Tânia Ferreira, Cássio de Souza, Pedro Theodoro Alvarenga, Maria Helena Oliveira, Tarcísio Galvão, Maria Aparecida Siqueira, João Batista Acúrcio, Soraia do Nascimento, Deborah Soares,Maria Rosa, Rosemeire de Paula e Maria Lopes.
Sentados: Orlando Gaiga, Anderson Lago Leite, Nicionelly Carvalho e Icinha Basso.


Dona Xepa (1995) atuação de Nicionelly Carvalho


Fontes: O Teatro em Poços de Caldas - Hugo Pontes
            Cia. Bella
            Matéria Portal Poços-Net
            Arquivo Blog/Site Cultura de Poços

domingo, 20 de março de 2011

Aponia e a Etica Epicurista/ Apatia e a Ética Estóica (por Selma Mixttura)

Em sua ética Epicuro faz uma oposição entre a vida virtuosa e a vida prazerosa. Para o filosofo a vida virtuosa não deve ser considerada o único caminho para a felicidade.  Ser bom e virtuoso é necessário, mas não suficiente, existe ainda outra condição para a felicidade, que seria antes, sentir prazer. Porém, o prazer do qual Epicuro nos fala não se refere ao deleitar-se simplesmente, ao contrário, implica em uma completa ausência de dor. Ausência de dores físicas e de penalidades, assim nos transmite o conceito de aponia. E este conceito é de suma importância para a ética epicurista, pois através dele Epicuro defende um hedonismo moderado e orientado pela sabedoria prática, onde “o conhecimento deve servir para ajudar a suprimir os temores com relação ao destino do corpo, temores estes que têm sua origem em falsas opiniões sobre os deuses, os corpos celestes e seus fenômenos, e sobre a morte”. Enquanto Epicuro acreditava ser a dor a motivo da infelicidade, para os Estóicos as paixões é que eram as causas de todos os males. A paixão é tão somente a perturbação da alma, e a Apatia, ou seja, a ausência de qualquer paixão é a verdadeira felicidade. Pois que, segundo os estóicos, o instinto de autoconservação nos leva a buscar antes o que nos preserva do que o que nos apraz. “A prova disso está de que, antes mesmo de qualquer percepção de prazer ou de dor [contrariamente ao que pretendiam os epicuristas], as crias buscam as coisas salutares e fogem das contrárias. Isso não aconteceria se elas não amassem o próprio estado e não temessem a destruição”. (Cícero, De finibus, III, 5, 16 = von Arnim, S.V.F., III, fr 182) Sendo assim, a apatia, é o que possibilita ao homem sábio tornar-se reto e forte não permitindo que as paixões nasçam em seu coração, cortando o mal pela raiz. Ainda hoje o homem busca esquivar-se da dor, e sofre com a angústia pela morte. O problema consiste em uma não aceitação do real, e em instintos reprimidos, por isso os consultórios psiquiátricos estão lotados. “A morte é angustia de quem vive”, já dizia o poeta Vinicius de Moraes. Sofremos enquanto tememos, mas, consumado o fato, o sofrimento é para os que ficam e nele meditam. Portanto o temor pela morte é uma ilusão.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

“O Ser Absoluto, o Deus do homem É o próprio Ser do Homem! (por Selma Mixttura)


 “A religião não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a religião: este é o fundamento da crítica irreligiosa” (Karl Marx, 1818-1883). “Ser homem é tender a ser Deus; Ou, se preferirmos, o homem é fundamentalmente o desejo de ser Deus” (Jean-Paul Sartre, 1905-1980). “Este é o mistério da religião: o homem projeta seu ser na objetividade e então se transforma a si mesmo num objeto face a esta imagem de si mesmo, assim convertida em sujeito” (Ludwig Feuerbach, 1804-1872). Temos aqui três citações de filósofos que defendiam a idéia de ser o homem criador de Deus e não o contrário.

Segundo Marx, as concepções religiosas tendiam a desresponsabilizar o homem por seus atos. “A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, assim como é o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo”. Esta sentença proferida em Crítica da filosofia do direito de Hegel o tornou reconhecido como crítico sagaz da religião. Porém, Marx não se ateve estritamente às questões religiosas. Basicamente, ele seguiu as opiniões de Feuerbach, para quem, a religião era apenas fruto da fantasia dos homens. Para Marx, o homem é o que é. Ele se constrói a partir do nada, tentando ser Deus, sem poder sê-lo, por isso sofre angustias e náuseas. Quanto a Sartre, este defende que “Deus não existe, e a não existencia de Deus tem profundas implicações, primeiro porque não há nenhum criador do homem”. Segundo, porque se Deus não existe, então tudo é permitido. Terceiro, porque “não há sentido algum para vida humana; a vida é absurda”.

Para Feuerbach, se a essência divina fosse diferente da essencia do homem, não haveria cisão. E a religião é uma cisão do homem com sua própria essência. Enquanto que para Marx, a religião provoca uma felicidade ilusória, e é preciso que o homem abandone essa condição de ilusão para conquistar a felicidade real. Neste sentido, Sartre acreditava que Deus não poderia resolver nada para o homem, nenhum de seus problemas, dores ou alegrias. Tudo que o homem faça, conquiste ou sofra é de inteira responsabilidade do próprio homem. Mesmo que a existencia de Deus fosse comprovada, ainda assim, nada mudaria. Portanto, a idéia de Deus faz-se totalmente absurda.

Podemos entender que a concepção de religião comum a estes três pensadores é que: a existência precede a essência. O homem projeta uma imagem de si mesmo, uma imagem perfeita, onde todas as suas limitações são superadas. Cria um Deus à sua imagem e semelhança e através dos dogmas e cultos busca esta sensação de êxtase que o contato ou proximidade com o Ser Divino e Absoluto proporciona. Mas em verdade, não existe nenhuma natureza fixa, criadora, a qual o homem deva se submeter e respeitar. Portanto o homem é livre e responsável por si mesmo. Sendo tal liberdade e responsabilidade as causas de toda sua angústia.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Teatro???... Por quê???.... Pra quê???

“Vivemos uma relação muito doentia com os meios de consumo, com a publicidade criando desejos, definindo valores. O ano inteiro o filho pede ao pai para não se esquecer de comprar a bicicleta e a margarina virou símbolo de realização familiar”. Diante do cerco, é difícil romper “a crosta de hipocrisia”, que estabelece falsos parâmetros para a observação da realidade. “Estamos mergulhados nisso, diante de uma televisão esquizofrênica, que não permite o silêncio, não pára um instante sequer e impõe hábitos”.
A partir dessas constatações compreendemos o papel social do artista e a essência do fazer teatral. “O teatro tira as pessoas de casa, obriga o deslocamento para um lugar público, para conviver em ambiente onde é possível se encontrar vivamente com o outro, sem a abstração da sala escura de cinema. É um lugar de diálogos”. Por isso ele se tornou instrumento de construção de um novo protagonista, o cidadão, que tem consciência de seus direitos. “O teatro é o grande antídoto”.
E a PLENITUDE que a atuação cênica possibilita?
Está no palco, nas coxias e nas salas de ensaio a realização de se sentir senhor de suas próprias idéias. Essa não é uma revolução pequena. “Numa sociedade terceirizada, que nos aliena da plena posse da nossa capacidade de agir, o teatro promove imensa transformação em quem o realiza”. O privilégio dessa responsabilidade, precisa ser devolvido para a comunidade em forma de espetáculos e encontros, estabelecendo nexos para diálogos intensos e sem meias-palavras.

“Paulo José”

DISCREPÂNCIA (por Selma Mixttura)

Vivemos em uma estrutura social, política e econômica que prioriza o “ter” e o “poder”, fortalecendo ainda mais a lógica capitalista. Mesmo que se empregassem todos os esforços para que a ciência e a tecnologia atendessem toda humanidade, ainda assim, seria impossível. Porque estamos diante de algo que poderíamos chamar de “efeito looping”, onde a desigualdade social leva à exclusão de conhecimentos, e na mesma medida a exclusão de conhecimentos, e assim por dizer, cultural, digital e etc., leva à desigualdade social. De acordo com o inciso I, do artigo 206, da Constituição de 1988, fica claro que a igualdade de condições se dá por duas vias: igualdade de acesso à escola e igualdade de permanência na escola. Porém, enquanto o Poder Público se preocupa em garantir a acessibilidade, na outra ponta, a permanência fica negligenciada. Assim, completar os estudos, com justiça social, não é garantido a todos.

A Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância, divulgou um relatório onde alerta que no Brasil, embora a educação tenha melhorado, a situação de muitos ainda é de grande preocupação. Entre os indígenas e quilombas, por exemplo, encontramos infraestrutura inadequada das escolas, baixa qualidade de ensino, professores com formação inadequada, escolas distantes das moradias, e tantas outras questões que causam um ensino totalmente deficiente. Outra questão delicada que dificulta a permanência escolar é em relação ao transporte. Mesmo no sudeste do país, mesmo na zona urbana, faltam ações e planejamento de políticas públicas voltadas pra esta área. E a situação se agrava em outras regiões do Brasil. A própria natureza se torna um obstáculo. Um período de seca, por exemplo, deixa a navegação do Rio Solimões perigosa, e algumas escolas ribeirinhas são obrigadas a suspender as aulas.

Enquanto uma minoria detém o poder e as riquezas, milhares disputam como animais um prato de comida. Se por um lado não se polpa investimentos em nanotecnologia e outras tantas inovações, por outro lado dados divulgados pela Organização das Nações Unidas declaram que um bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia (menos de 2 reais). Dez milhões de crianças abaixo de cinco anos morrem todo ano. Enquanto, quase 100 milhões de crianças em idade escolar primária não chegam à escola.  E outro impressionante é que 800 milhões de pessoas no mundo não têm as habilidades básicas de alfabetização e 2/3 delas são mulheres, de acordo com o Banco Mundial. Segundo Rousseau “a desigualdade tende a se acumular”. Sabemos que a desigualdade social é em grande parte gerada pelo jogo do mercado e capital. Portanto, o que a sociedade em geral deve perceber é que sem um Efetivo Estado Democrático, torna-se impossível combater, ou mesmo reduzir a desigualdade social.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

CORPO OU ALMA?... (por Selma Mixttura)

Questões sobre: O que é o homem? Mundo material ou espiritual? Corpo ou alma? Permeiam a história desde a origem do pensamento filosófico. E de tanto não obter respostas ou encontrar outras que no momento seguinte são questionadas, criticadas e rejeitadas por idéias de outros pensadores, o homem está saturado. E ocupado demais para pensar.
Vêem-se hoje um turbilhão de “humanóides” consumindo e sendo consumidos. Talvez seja devido à descrença e ilusão que se apossa do ser humano, que já não é capaz de discernir o que é o “eu” e o que é o objeto material. Meu carro tronou-se uma extensão do meu corpo, e assim é com todo o resto. O homem é um ser ingênuo e iludido. Mas, o que é o homem? É um ser dotado de alma e corpo que transita entre o mundo material e espiritual conforme sua necessidade de evolução, de conhecimento da natureza e autoconhecimento.
Vivemos sim, um tempo de fugacidade denominado “contemporaneidade”.  Mas, nem tudo está perdido. O que ocorre, em verdade, é um processo de transformação, como todos os outros que já ocorreram e ocorrem na natureza, no corpo e na alma do homem.
E em meio a esta “turbulência” que o mundo e a humanidade ora atravessa, ainda há espaço para mistérios da natureza que o homem está longe de desvendar. E devido à desigualdade cultural e social, podemos ainda encontrar pessoas preocupadas com o bem do próximo e o bem da natureza. Pessoas engajadas em causas políticas e sociais. Enfim, apesar de a grande maioria mergulhar na ilusão da tecnociência, dos bens de consumo e do prazer instantâneo, a essência do ser do homem ainda prevalece e quando o ser humano exausto e estarrecido não suportar mais a própria “hibris” teremos ainda formas de resgatar a integridade do homem.