terça-feira, 24 de maio de 2011

"Sou estrangeira neste mundo..."


“A Poetisa”

Sou estrangeira neste mundo.
Sou estrangeira, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso. Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.
Sou estrangeira para minha alma.
Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz. Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outro Eu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma. Mas permaneço desconhecida e oculta, velada pelo nevoeiro, envolta no silêncio.
Sou estrangeira para o meu corpo.
Todas as vezes que me olho num espelho, vejo no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.
Sou estrangeira e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minha terra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim.
Acordo pela manhã, e acho-me prisioneiro num antro escuro, freqüentado por cobras e insetos. Se sair à luz, a sombra de meu corpo me segue, e as sombras de minha alma me precedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo. E quando chega a noite, volto para a casa e deito-me numa cama feita de plumas de avestruz e de espinhos dos campos.
Idéias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos. E almas de nações esquecidas me fitam. Interrogo-as, recebendo por toda resposta um sorriso. Quando procuro segura-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.
Sou estrangeira e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma de minha alma...
Caminho na selva inabitada e vejo os rios correrem e subirem do fundo dos vales ao cume das montanhas. E vejo as árvores desnudas se cobrirem de folhas num só minuto. Depois, suas ramas caem no chão e se transformam em cobras pintalgadas.
E as aves do céu voam, pousam, cantam, gorjeiam e depois param, abrem as asas e viram anjos, de cabelos soltos e pescoços esticados. E olham para mim com paixão e sorriem com sensualidade. E estendem suas mãos brancas e perfumadas. Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irônicos.
Sou estrangeira neste mundo.
Sou poeta que põe em prosa o que a vida põe em versos, e em versos o que a vida põe em prosa. Por isto, permanecerei estrangeira até que a morte me rapte e me leve para minha pátria.

(Extraído de “Temporais”)
Gibran Khalil Gibran

Obs: adaptado para apresentação em 1º de abril – ICCBA - VERDADE



segunda-feira, 23 de maio de 2011

Razão X Emoção. E o Equilibrio???... (por Selma Mixttura)

Para Santo Agostinho, só Deus possui toda plenitude do ser, por sua unidade e simplicidade. Agostinho não traz em seu pensamento uma separação entre os assuntos metafísicos e os éticos, epistemológicos e naturais. E sendo o homem uma criatura decaída e escrava do pecado, não tem forças para agir, pensar e escolher o bem, mesmo possuindo o livre arbítrio. Assim, nós necessitamos tanto da iluminação intelectual quanto da moral. E esta iluminação nós é ofertada por Deus, o ser supremo, que o faz por amor, e é por amor que a Ele retornamos. “A plenitude do ser humano implica a composição de alma e corpo, com todas as potências e instrumentos do conhecimento e do movimento; a quem faltar um desses elementos, faltará algo da plenitude do seu ser”. Essa plenitude que adquirimos através de Deus é a mesma que se dá às coisas e às ações. “Portanto uma ação é boa, na medida em que é, pois, o bem e o ser se equivalem”. Se uma ação for extremada, ou inadequada, inconveniente, causar a dor e a infelicidade de si mesmo ou de outrem, esta seria uma ação antinatural e, portanto não uma ação de amor. E se uma ação não é amor, não é boa, logo, não é plena de seu ser. A vida moral gira em torno do amor, uma vez que Deus mesmo é o amor (João, 4, 16).
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Aristóteles: Revolucionário antes, Reacionário hoje?... (por Selma Mixttura)

Obviamente não poderíamos julgar Aristóteles, por este considerar “natural” a existência de escravos, afinal tratava-se de um hábito comum na sociedade grega. Por outro lado, sendo ele um filósofo, um homem de idéias, a escravidão não poderia passar despercebida aos seus olhos. O que Aristóteles traz de inovação e que o leva a ser visto como revolucionário é o fato de o estagirista avaliar o escravo a partir de sua essência e assim atribuir ao escravo a condição de ser humano e não de coisa, objeto. Sendo o escravo “um ser com raciocínio e capaz de acompanhar um argumento certas condições são necessárias para se aceitar a escravidão”. O filósofo apóia sua defesa no argumento de que a antítese superior-inferior é encontrada em todos os lugares na natureza, como entre a alma e o corpo, o intelecto e o apetite, entre o homem e o animal, o homem e a mulher, e se tal diferença existe, é para vantagem de ambos que um deve mandar no outro. Logo, alguns homens são livres por natureza e outros, escravos.” (...) “se há inferioridade, então a escravidão é de interesse de ambos, senhor e escravo. Portanto não se justifica escravizar pessoas bem nascidas (...) A escravidão por mero direito de conquista em guerra não deve ser aprovada. Claro que estas considerações devem ter provocado muita polêmica naquela época. Então, podemos dizer de Aristóteles um revolucionário para sua época. Porém, o fato de defender a idéia de superioridade e inferioridade entre seres humanos, fosse aos dias de hoje, seus argumentos seriam duramente rebatidos e certamente derrubados, pelos direitos humanos, estatuto do menor e do adolescente, direitos da mulher, direitos do idosos, defesa da natureza e assim por diante. Até porque, hoje em dia a escravidão e a exploração, a despeito do que acontece clandestinamente no mundo todo, é algo abominável, desumano e criminoso.

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Mulher: Grécia Antiga X Hoje (por Selma Mixttura)



Sem dúvida, para uma época onde a mulher não era considerada sequer cidadã, a idéia de Platão, em colocar a mulher em pé de igualdade com o homem, era realmente revolucionária. Mas há um elemento importante neste caso. A questão de Platão parece estar voltada aos direitos dos “verdadeiros guardiães”, ou seja, os filósofos e consequentemente governantes. Pois estes “devem ter todas as coisas em comum, ou seja, habitação, mulheres, filhos, criação e educação da prole (República, IV, 441d-442d)”. Assim, pensemos na hipótese de um filósofo/governante ter entre sua prole alguém do sexo feminino. Então, sua filha teria os mesmos direitos que seus irmãos, parte daí o direito da mulher. Platão considera que: “Como têm a mesma natureza, mulheres e homens deverão ser educados da mesma maneira. Poderão assim, as mulheres tomarem parte na guarda do Estado e também na guerra, com o cuidado de ser entregue às mulheres tarefas menos pesadas que as dos homens, por terem, em geral, menor vigor físico que os homens” (República, V, 457a). 
Mas, esta idéia não se concretizou naquela época, e ainda hoje, quase dois mil e quinhentos anos depois, as mulheres não conquistaram seu espaço devidamente. O Processo é lento, sim, muito lento, mas estamos evoluindo.  Antigamente as coisas eram bem definidas: o homem era provedor e a mulher a “cuidadora”. Salvo as exceções de exploração e etc. Hoje em dia, enquanto em algumas culturas a mulher mede forças com o homem em uma “guerra dos sexos” sem fim, em outras, ela ainda submete-se aos desmandos de seus “senhores”, tendo por vezes que caminhar um passo atrás. O grande equívoco está em acharmos que, como disse Platão homens e mulheres “têm a mesma natureza”, somos assim todos iguais. Homens e mulheres NÃO SÃO IGUAIS, ponto. Somos diferentes geneticamente, sexualmente, fisicamente, diferentes em essência, em conteúdo, em ação e reação, em sentimentos, em emoção, em atitudes... Enfim, somos diferentes. Portanto o que a mulher necessita é encontrar o SEU ESPAÇO, e não disputar um espaço que é do homem. Hoje não sabemos quem devemos ser. Somos modernas, mas não deixamos de ser mães. Somos profissionais, mas não deixamos de ser do lar. Somos amantes, mas não deixamos de ser esposas. Somos independentes, mas não deixamos de recorrer ao apoio do homem.  E ainda existem aquelas, muitas, que apesar de estarmos em uma sociedade onde a mulher tem seus direitos, ainda vivem como nossos ancestrais. O resultado disso é um desequilíbrio astronômico. Muito estresse e frustração e infelicidade. O processo é lento e o caminho árduo, mas é preciso que a mulher volte-se para dentro de si e descubra qual é verdadeiramente o seu papel e o seu lugar.
Por Selma Mixttura.

Retórica, Paidéia e Educação (por Selma Mixttura)

É sabido que só através da educação uma pessoa pode tornar-se melhor do que é. Protágoras tinha essa visão. E a despeito do modelo de educação aristocrático – onde a Paidéia tinha o objetivo de ressaltar nos bem nascidos sua nobreza natural, pois que, ou se nascia nobre ou estaria fadado a um destino inferior, independente dos aprendizados adquiridos, pois a moral não podia ser ensinada – Protágoras diz sobre o jovem aprendiz que "tornados outros, se despojem do que eram antes (Teeteto, 168a)". Sendo, esta a forma de livra-se de certas disposições inferiores para dar lugar a novos aprendizados e assim chegar ao crescimento e conhecimento almejados. O jovem depois de passar pela educação na família, a educação pelas artes e poesia e a educação pela ginástica, chegava então a hora de adquirir o conhecimento político.  A retórica, a arte da oratória, faz-se de fundamental importância, não por ser conhecimento puro, mas, por trata-ser de uma FERRAMENTA, muito útil para a transmissão de ensinamentos, e também para a arte da política. Quanto ao modelo aristocrático, ainda hoje, infelizmente a educação parece ser vista como privilegio de poucos e bem nascidos, como se estes tivessem mais direitos que o restante da população. E infelizmente, a poesia, as artes e a filosofia foram menosprezadas durante muito tempo e os jovens, há muito não possuem o mesmo acesso natural, aos modelos que poderiam se espelhar, como faziam os jovens atenienses. É preciso que esta realidade mude. É preciso que a filosofia e a poesia voltem a trazer luz ao desenvolvimento humano.
 

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Tributo ao Artista - Nicionelly Carvalho (Nicinha)

 

Nicionelly Carvalho e Selma Mixtura em "Quarta-Feira sem falta lá em casa" (2006)
Último trabalho de Nicionelly Carvalho.

     Nicionelly Carvalho nasceu em Machado, sul de Minas em agosto de 1936, órfã de mãe recém-nascida, cresceu numa fazenda de uma tia, onde brincava com seus únicos amigos: os bois, vacas, patos, porcos, cachorros, enfim os animais da fazenda, com isso desenvolveu uma estética criativa, inventando e reinventando histórias com suas bonecas de sabugo e com seus amigos imaginários.
     Ainda adolescente, mudou-se para Poços de Caldas com seu pai, o alfaiate Benício (apelidado de Nicio, que inclusive unindo com o nome da mãe originou o nome Nicionelly). Nicio cria uma fábrica de bonecas de pano e posteriormente a loja Casa das Bonecas, Nicionelly pelo dom nato desenhava as bonecas e bichos de pelúcia, seus moldes, feições, criava nomes, enquanto Nicio ficava por conta da produção.
     De criação religiosa, desde cedo abraça o cristianismo sob a luz do espiritismo. Alma boa, caridosa, sonha em servir ao próximo e trabalha incessantemente.
     Conhece na década de 50, dentro da casa espírita, o mestre Benigno Gaiga, que lhe apresenta os encantos do Teatro. Foi paixão a primeira vista, Nicionelly começa a encenar nas comemorações festivas do centro espírita e posteriormente engaja-se na produção independente.
     Convidada por Benigno Gaiga, na década de 60, incorpora-se ao corpo de atores do então criado Grupo de Teatro Alvorada, onde passa a ser a principal atriz até a morte de Benigno Gaiga em 1970, quando assume a direção do grupo que homenageia seu mestre dando-lhe o nome de Teatro Alvorada Grupo Benigno Gaiga.
     Protagonizou e dirigiu várias peças dentre elas: A Bruxa; Dona Feia; Dona Xepa; Mortos Sem Sepultura; Quarta Feira Sem Falta lá em Casa; Quando As máquinas param; Pedreira das Almas; Nó de Quatro Pernas; O Santo Inquérito; O Avarento; O Auto da Compadecida; Velório a Brasileira; A Margem da Vida; O Bolo da Bolota (personagem que a acompanha por toda a vida); Dona Patinha vai ser Miss; A Revolta dos Brinquedos; O Leão Pede a Palavra; Três peraltas na Praça.
     No campo social Nicionelly cria, na década de 70 a Creche Caminho da Luz no bairro Cascatinha, instituição que também dirigiu até o inicio de 2000, lá desenvolveu um trabalho de assistência social com centenas de crianças na qual acolhia-as como filhos. Ainda na década de 70 adota seu único filho Giovanni Dias, na qual ensinou sua arte e princípios.
     Em 1994, junto com o filho, o ator Fabio de Freitas, a nora e o saudoso Fernandinho Frizzo, funda a Cia Bella de Artes e posteriormente o Instituto Cultural Cia Bella de Artes.
     Em 2005 recebe o titulo de Cidadã Poçoscaldense e também é agraciada com o nome do Teatro do Instituto Cultural Companhia Bella de artes, onde estreou sua ultima participação nos palcos com o espetáculo “Quarta–feira Sem Falta lá em Casa” sob a direção de Giovanni Dias.
     Em setembro de 2007 Nicionelly retorna ao Mundo Espiritual vitima de um infarto fulminante tendo seu corpo velado por centenas de amigos e conhecidos no saguão da Câmara Municipal de Poços de Caldas. A praça que se situa na Cascatinha próximo ao Ginásio Poliesportivo Moleque Cesar, recebeu o nome de Nicionelly Carvalho, um justo reconhecimento da comunidade a uma mulher que fez da arte a sua vida e de sua espiritualidade a ferramenta para ajudar o próximo.
Carlos Alberto Casalinho e Nicionelly Carvalho em Um Gosto de Mel (Anos 70)


As Primícias de 1983
Em pé: Paulo Pioli, Tânia Ferreira, Cássio de Souza, Pedro Theodoro Alvarenga, Maria Helena Oliveira, Tarcísio Galvão, Maria Aparecida Siqueira, João Batista Acúrcio, Soraia do Nascimento, Deborah Soares,Maria Rosa, Rosemeire de Paula e Maria Lopes.
Sentados: Orlando Gaiga, Anderson Lago Leite, Nicionelly Carvalho e Icinha Basso.


Dona Xepa (1995) atuação de Nicionelly Carvalho


Fontes: O Teatro em Poços de Caldas - Hugo Pontes
            Cia. Bella
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